Pastoral, Reflexões

Forma e conteúdo pentecostal

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Eu procurava um lugar para estacionar quando encontrei uma borracharia – que também era estacionamento. Quem me entregou o tíquete foi o próprio borracheiro. Barbudo, sujo de graxa, com um óculos antigo, o senhor de meia idade estava sentado à uma mesa com um livro. Percebi que era um dicionário inglês/português e logo puxei conversa: “O senhor está estudando?” – ao que ele respondeu:”Yeah, I study english by myself…” e continuou conversando comigo em inglês por uns 20 minutos. E a propósito, nada daqueles “ahhhh” que nos perseguem quando estamos tentando lembrar da palavra correta. E é óbvio que por conta do apelo ao estereótipo que vivemos em nossa sociedade, eu jamais esperaria conversar em outro idioma com um cidadão tão simples. Saí dali refletindo no quanto somos apegados à forma. Pensei em quantos cultos já participei onde os pregadores tinham formas muito peculiares de ministrar. E acho que já vi quase de tudo. Vi pregador jogar água no povo. Vi pastores passando o paletó numa fila de fiéis. Vi profetas rodando e profetizando com pandeiro na mão. Certa vez uma senhora que orava por mim pediu que abríssemos todas as portas da casa para que “o mal pudesse sair”. Conheço um irmão que só consegue orar se for colado na parede, literalmente (é a unção da lagartixa, minha gente rs).

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É sempre bom ressaltar que não vejo mal algum num cristão que se expressa de “forma diferente” ou até mesmo engraçada. Quem somos nós para questionar a forma com que as pessoas adoram a Deus. Aliás, questionar isto é tão ridículo quanto duvidar da expressão de adoração que (aparentemente) não se expressa. Já ministrei em igrejas em que podíamos ouvir os grilos no terreno ao lado e nem por isso deixamos de ter um culto edificante. Perceber a presença do Eterno nesses momentos é algo que só os que foram realmente alcançados pela graça podem sentir. A glossolália (ou o falar em línguas estranhas) é algo que também divide as diversas linhas teológicas cristãs. Mas o apóstolo Paulo nos traz um ensino específico sobre isso e nos adverte a não proibir o falar em línguas na igreja (I Co. 14.39), apenas nos aconselha a fazer tudo com ordem e decência. Paulo nos diz que o dom de línguas sem revelação, conhecimento, profecia ou doutrina não é útil para a igreja (14.6), a não ser que haja interpretação, pois quem fala em línguas edifica apenas a si mesmo (14.4).

É aqui onde percebo uma linha tênue que divide a expressão de adoração da arrogância espiritual. Percebo que muitos ministros, pastores e pregadores fazem uso da glossolália para demonstração de espiritualidade – como se isso pudesse ser medido. Em São Paulo há um programa evangélico de rádio em que o pastor prega como se estivesse em Camboriú (a Aparecida dos crentes!). O camarada fala metade do programa em línguas estranhas. Pergunto: pode haver alguma edificação nisso? Se na igreja Paulo diz que devemos nos calar para que os descrentes não nos tenham por loucos (14.23), imagine numa rádio de tanto alcance como a Musical FM (SP).

Admito que sou meio nostálgico e creio que os cristãos pentecostais devem manter acesa a chama do avivamento tão peculiar às igrejas mais tradicionais, mas não posso crer que ainda existam crentes que achem “frias” as igrejas batistas, presbiterianas ou quaisquer outros movimentos que tenham uma liturgia mais silenciosa. Não é a forma que nos define como verdadeiros cristãos, mas o conteúdo! Afinal, como diria certo pastor, “qualquer patife pode entrar pelas portas da igreja e levantar as mãos em adoração”. Parece uma frase muito dura, mas creio exatamente assim. Aliás, já perdi as contas de quantas vezes presenciei crentes “cheios da unção” que difamaram, mentiram, xingaram ou adulteraram. Por isso, faço um apelo aos cristãos pentecostais:

[1] Se você não tem uma vida de verdadeiro compromisso com o Reino de Deus, não faça carinha de dó durante a adoração, colocando as mãos no coração e forçando uma lágrima de crocodilo. É patético!

[2] Não cante com voz de choro tentando imitar as cantoras famosas, nem copie as ministrações do CD. É ridículo! Seja você mesmo (a não ser que isso seja pior).

[3] Se você não consegue se conter ao tomar uma fechada no trânsito e sua boca se enche de “línguas estranhas” contra à mãe do outro motorista, por favor, arranque esses adesivos “Deus é Fiel”, “Ô Glória!”, “Esse carro ficará desgovernado em caso de arrebatamento” ou o tão famoso peixinho. Não queime a nossa classe, meu!

[4] Largue a mão de ser preguiçoso e pare de ir em campanhas de prosperidade. Acorde mais cedo, faça hora extra, seja proativo e jamais chame seu hollerith de “miserite” ou “cebolão”. Levante-o aos céus e dê graças a Deus por estar empregado! E a propósito, Deus não vai te fazer passar no vestibular, Ele seria injusto para com os demais. Estude!

[5] Ministros pentecostais, parem de convocar o povo para reuniões onde haverá cura, milagres, bênçãos ou chave de carros e casas. O Senhor nos abençoa quando Ele quer e não quando você determina. Aliás, penteca que é penteca não precisa desses apelos para ir à igreja. Vai porque gosta mesmo é de adorar!

[6] E por fim, se você quer realmente ser pentecostal, não diga que Deus te abençoou porque você orou, jejuou ou subiu ao monte para buscar, porque os verdadeiros pentecostais crêem que nada podem fazer para que Cristo os ame mais e que nada do que fizerem fará com que Ele os ame menos!

Que todo o vigor e alegria dos verdadeiros pentecostais nos façam, com a graça de Deus, um povo amável, compreensivo e mais humano!

No amor do Pai,

Roger

Publicado por Roger da Escola

L. Rogério (o “Roger da Escola”) é pai da Bia, fundador da Escola de Adoração, formado em Sistemas, Marketing, Comunicação, Teologia e faz MBA em Mktg pela USP. Fã do Cheescake Factory e de The Big Bang Theory.

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