Quem frequenta alguma igreja histórica deve conhecer aquele tipo de diácono que é o “dono das chaves”. Cresci vendo essa figura na minha primeira igreja. Era um camarada baixinho, bigodudo e marrento que andava com um molho de chaves tão grande que fazia-o andar meio torto. Nem preciso dizer que para conseguir abrir qualquer porta na igreja era preciso autorização do papa, né? Ser o dono das chaves, para ele, era como ser o dono da igreja. Hoje, consigo entendê-lo e perdoá-lo, talvez essa fosse a única atividade em que ele se sentia realmente dono de alguma coisa. A ignorância, às vezes, é uma bênção. Acontece que cada vez que ouço a expressão “a oração é a chave que abre todas as portas” lembro desse camarada. Lembro, porque as pessoas que usam desse jargão geralmente se parecem muito com ele. Falam conosco, os “deschaveados”, como se soubessem exatamente como abrir as portas dos Céus. Em seus discursos vazios, nos ensinam os 7 passos para alcançar a bênção, ou os 3 segredos da oração respondida. É como se a oração fosse algo realmente secreto que apenas uns poucos felizardos soubessem como “usá-la”.
Um dia, em meio a uma de suas aulas, meu professor de Escola Dominical se abriu conosco: “Amo ler a Palavra, mas tenho que confessar: tenho dificuldade para orar”. Lembro que ainda atordoado com aquela confissão, comentei com um amigo: “Você viu? Ele não ora”. Meu amigo sabiamente respondeu: “É… a diferença entre ele e nós é que ele admitiu”.
Quem “usa” a oração como chave, também usa a fé como lhe convém. O evangelho pragmático é mesmo uma praga. Me arrepio só de pensar em me ajoelhar para tentar arrancar alguma coisa de Deus através da oração. Orar é falar com Deus. Simples assim.
Quando Jesus nos ensinou a orar, é evidente que não nos deu um mantra. Deixou bem claro que apenas três coisas são nossas: o Pai, o pão e as ofensas – a vontade… é mesmo dEle. Pensar num segredo de oração que nos faz “conquistar”, me parece fruto daquilo que Tiago chamou de “paixão que guerreia dentro de nós” – “Quando pedem, não recebem, pois pedem por motivos errados, para gastar em seus prazeres.” (Tg. 4.3). Então, como orar? Quer saber o verdadeiro segredo? Vou te contar, mas vê se conta pra quem você puder: o segredo é que não há segredo. Não há o que você não possa dizer em oração. Não existe o jeito certo de orar. Não existe a hora certa de orar (a fila não é menor de madrugada, tá?). Não existem as palavras certas que tocam o coração do Pai. Certo mesmo é que quando você se ajoelha, cai direto na Sala do Trono.
Ali, você é ouvido quando fala.
Ali, sua lágrima é uma história.
Ali, sua revolta é filtrada e compreendida.
Ali, o abraço é certo. O consolo, imediato.
Ali, ninguém liga para os seus erros de português.
Ali, ninguém se impressiona com retórica.
Ali, ninguém consegue chamar mais a atenção do Pai.
Ali, ninguém consegue desviar-se de Sua atenção.
E quando sai dali, você sempre sai em paz.
(Se é que você sai…)
Enfim, só há uma oração errada: a que não foi feita.
Ore. Não sei se você será atendido. Mas quem lembra disso quando está conversando com o Pai?
No amor do Papai,
Roger