Eu estava concentrado num texto, quando a Bia entrou no quarto berrando: “Papaaai, um monstro!”. Era verão. Ao lado de casa há uma área verde muito grande, e nessa época é comum aparecerem insetos. Já sabendo desses perigos iminentes, saquei minha Spada Brilhante Poderosa, também conhecida como SBP, e me aventurei sala adentro naquela missão suicida. Enquanto a pequena donzela indefesa se escondia atrás de mim, avistei o inimigo: uma abelha gigante dava rasantes pela sala inteira. Sorrateiro, me posicionei atrás da porta e com um único tiro certeiro, espantei o invasor. Destemido, recebi meu agradável “Papai, te amo!”. Voltei ao texto.
Mal tinha terminado um parágrafo, chega a Bia com um copo emborcado num pano, e a abelha, meio zonza, tentando escapar: “Papai, olha que linda a abelhinha! Ela é boazinha, pai. Ownnn… Vou chamá-la de Roberta!”. Confesso que eu estava tão concentrado, que tudo o que pensei foi: “Bom, tá tudo bem agora!”, e voltei ao texto.
Mais um parágrafo quase concluído, entra a Bia berrando em sílabas: “Pa-paaaaai… a Ro-ber-ta… mor-reeeeeu… Buááá!”. Olha, eu não lembro quando foi a última vez que me esforcei tanto para não rir numa situação tão trágica como aquela. Abracei minha filha, expliquei que a vida era assim mesmo, ao mesmo tempo que me sentia acusado por ter sido o algoz da Roberta.
Assim, fizemos a despedida da Roberta. Coisa simples. Ali na sala mesmo, embaixo da mesa e com um minuto de silêncio. Foi tocante.
Lembrei disso hoje ao refletir em tantas vezes que clamei ao Senhor, desesperado com alguma situação da qual Ele tinha pleno controle. E mais, quantas vezes orei por coisas tão banais e, ainda assim, pude sentir o Espírito de Deus atento, considerando, sempre me confortando.
Não é curioso que Deus tenha escolhido exatamente essa expressão: “Como um pai se compadece de seus filhos…”? Me atrevo a dizer que o Eterno sempre teve dificuldade em nos fazer compreender Sua dimensão, Seu amor… Claro, humanos que somos, precisamos desses comparativos. Metáforas eternas para meros mortais.
Bom saber que não importa o motivo do nosso desespero, seja nobre, seja banal, Ele se compadece daqueles que o temem.