O beijo da morte
“Vocês pensam que esses gaúchos eram mais pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira? Eu lhes digo que não!” – Paráfrase de Lc. 13.2
Nenhum discurso ou comentário, por mais brilhante ou inflamado de emoção que seja, pode trazer conforto a vítimas de tragédias como a da Boate Kiss em Santa Maria. Embora seja praticamente impossível colocar-se no lugar das famílias enlutadas, ouso fazer uma comparação. No dia em que assaltaram nossa casa e levaram praticamente tudo de valor, minha mãe gritava por meu nome e me procurava pelos cômodos da casa – ela havia me deixado há poucos minutos numa festa em outro bairro. Talvez esse episódio sugestione uma fagulha do que foi o sentimento de negação de uma mãe ao questionar a volta de seu filho para casa, mesmo “sabendo” de sua morte na boate.
A Bíblia diz que enganoso é o coração – ele nos prega essas peças! Nos faz acreditar naquilo que mais ansiamos, mesmo indo contra nosso cérebro. Por isso, nem mesmo a Bíblia parece fazer questão de dar respostas definitivas às tragédias da vida. A Jó, que perdeu tudo da noite para o dia, Deus preferiu mostrar quão complexo é o Universo a tentar explicá-lo a um mortal. Ao questionamento dos discípulos sobre a culpa do sofrimento daquele cego, Jesus disse: “Nem dele, nem de ninguém”. Mesmo sob a cruel acusação de Marta como culpado da morte de Lázaro, o Mestre preferiu falar do futuro, e não do passado: “Ele vai ressuscitar”.
Assim como é grande a ousadia do ser humano em entender os sofrimentos e as tragédias da vida, é ainda maior a ousadia de quem procura explicá-las. É de partir o coração ler e ouvir crentes soberbos com palavras insanas em seus lábios como “consequência”, “semeadura”, “justiça” e tantas outras bobagens da achologia cristã. Não sou um grande teólogo, mas pelo que leio em Lucas 13, aconteceu o seguinte…
Certa vez, enquanto Jesus falava sobre pagar o que se deve, vieram comentar que Pilatos havia assassinado alguns rebeldes galileus, dando-se a entender que estes estavam “pagando pelos próprios erros”. Parece até que dá pra sentir a forma ríspida como Jesus responde a essa insinuação: “Vocês pensam que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira? Eu lhes digo que não! Mas se não se arrependerem, todos vocês também perecerão!”
Parece que pouco tempo antes, uma antiga torre ao sul de Jerusalém havia caído, matando 18 pessoas. Jesus então esclarece de vez a questão: “Vocês pensam que aqueles dezoito que morreram, quando caiu sobre eles a torre de Siloé, eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Eu lhes digo que não! Mas se não se arrependerem, todos vocês também perecerão”. Novamente, Jesus tira o foco do “porque” das tragédias e parece propor: “Esqueçam o porquê. Preocupem-se com seus próprios pecados”.
Que o Senhor tenha misericórdia dos religiosos legalistas. De gente que acredita num deus que mata pra lhes dar vitória. Que seus corações, sim, estes queimem de arrependimento nas chamas do Espírito Santo. E que as consolações deste mesmo Espírito sejam sobre as famílias enlutadas de Santa Maria.
Por hora, resta-nos o melhor de todos os conselhos – o conselho de Jesus: “Chorai com os que choram!”
Choremos, então…