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A igreja da parede preta

Recentemente, um perfil muito conceituado no Instagram publicou uma enquete: “Você acha certo usarem jogo de luz nas igrejas?”. Confesso que, a princípio, achei a enquete do Gospelmente um tanto quanto irrelevante. Porém, para minha surpresa, o post teve uma infinidade de comentários. Admito que eu estava completamente enganado, porque a enquete trouxe luz sobre as trevas que pairam na mente de muita gente. Explico!

Por que eles pintam a parede de preto?

Geralmente, as igrejas que usam iluminação própria para eventos têm também telão de led ou projeção, naquele sistema edge blending com 2 ou mais projetores. Como os projetores dependem da luz refletida, eles funcionam melhor em ambientes escuros. Por conta disso, as igrejas que optaram por esse sistema estão pintando todas as suas paredes de preto. Os técnicos que projetam esse tipo de ambiente justificam que a iluminação focada no preletor reduz praticamente a zero toda distração com pessoas andando ou músicos nas laterais do palco, por exemplo. (Aqui, tenho que admitir: é desanimador pra nós pregadores, igreja com portas laterais [abertas] – a igreja simplesmente desvia o olhar toda hora e se desconcentra da mensagem).

Preconceito?

Antes de falar sobre as igrejas pretas, permita-me falar sobre algo realmente maligno. O post trouxe à tona todo o pleonástico preconceito maligno e místico de associar a cor preta a tudo o que é errado, feio, proibido, rejeitado. Independente do seu posicionamento quanto a pintar a igreja de preto, é muito arriscado justificar uma contraposição a isso com argumentos do tipo “o branco é a cor da paz”, “o preto é do diabo”, “o céu é claro” (se Jesus voltar à noite, no Brasil, cê fica, né?). Só falta o crente dizer que gosta de branco porque Jesus era branquinho… Sangue e fogo!

Portanto, se você acredita que o “correto” é a igreja ser branca, tá tudo bem! Mas, pelo amor de Deus, pare de dizer que o preto é do diabo porque, além de essa ser uma frase que cheira a racismo, esse infeliz só é dono de quem comete pecado (I Jo. 3.8).

Agora, precisamos ponderar, qual o significado de Lúcifer? Bem, do hebraico Heylel, significa “portador de luz”. Sabemos que essa ideia de achar que o diabo é preto e feio é a maior enganação de todos os tempos. Os estudiosos são quase unânimes em atribuir os textos de Isaías 14 (Is 14.11-15) e Ezequiel 28 (Ez 28.11-19) a Satanás, e em Ezequiel lê-se que ele era “…modelo de perfeição, cheio de sabedoria e de perfeita beleza.” É por isso que somos muitas vezes seduzidos e enganados por aquilo que é belo, já que no imaginário coletivo espera-se a tentação com chifres e rabo.

“A igreja está imitando o mundo”

Mas quem defende as igrejas de paredes brancas não se limita a atribuir uma determinada cor a algo sagrado, seu principal argumento é: “A igreja está imitando o mundo”. Bem, temos que admitir que a justificativa de não poder utilizar-se de uma iluminação de show porque isso é usado no “mundo” não é das melhores, se fosse, teríamos que arrancar todos os microfones da igreja, pois eles também são usados na balada, por exemplo.

Finalmente, um ponto que não contribui em nada para essa discussão é que muitos têm um discurso embebido no ódio e no desrespeito, não fazem uso de um versículo sequer e falam que não foram ensinados assim, que esse não é o costume de suas denominações… Sim, precisamos respeitar o costume das nossas igrejas tradicionais, cresci em uma delas, ministro e continuarei ministrando nelas independente da cor de suas paredes, pois não ministro a elas (às paredes), mas aos salvos!

Por outro lado, também temos que admitir, é inacreditável que, durante décadas, brigamos (literalmente, às vezes) por conta de usos e costumes para que tivéssemos um pouco mais de liberdade para sermos pessoas “mais comuns” do ponto de vista social, e agora estamos pedindo para que o costume de ter uma igreja branca seja mantido. É preciso muito cuidado para não fazermos disso um legalismo sem base bíblica.

Conclusão

Concluo lembrando que uma igreja em que o centro da mensagem é o homem, em que toda luz plena serve apenas para destacar o ego e a necessidade de se brilhar entre os seus irmãos e em que os “louvores” são humanistas e falam exclusivamente do triunfo do homem, de revanches ou de vingança, pouco importa a cor de suas paredes, ela sempre será uma igreja do diabo. Pense nisso.

No amor do Pai,

Roger




A paixão de Ruth

A seca daquele ano havia sido devastadora. Tinha trecho do Chico que dava pra atravessar a pé! Gado morrendo, fome apertando, nada de trabalho! Assim, Tião pegou Noêmia e seus dois meninos e se aventurou num pau de arara pra São Paulo. Mas eles mal tinham conseguido se estabelecer por aqui, Tião morreu!

Dias difíceis… Noêmia fazia de tudo um pouco, não só pra sustentar a casa, mas pra superar a falta do Tião. Pra não se afundar na depressão, se agarrava à fé e aos meninos, que cresceram e se tornaram homens de respeito. Preocupados com a mãe, decidiram se casar e constituir família. Pra encher a mãe de orgulho, combinaram com as meninas de se casarem no mesmo dia – elas toparam!

A casa agora estava cheia de esperança. No jantar, Noêmia lavava louça, cantava e perguntava toda hora quando viriam os netinhos. A angústia se desfazia em meio à alegria e orgulho que seus filhos lhe davam. Suas noras, Ana e Ruth, viam na sogra um exemplo de força e resiliência. A história de Noêmia finalmente voltava aos trilhos e a saudade do Tião já não trazia tanta dor. Foi quando a tragédia cruzou novamente o caminho de Dona Nô.

Naquela madrugada, o clamor foi interrompido pelo toque irritante do telefone na sala. Ana quase caiu na carreira: “Sim, é a esposa dele!” – disse, enquanto Ruth, ainda de joelhos, abraçava suavemente sua sogra. Sem mais detalhes, se apressaram para o Hospital do Mandaqui, onde o inesperado se confirmou: “São Paulo é assim mesmo, dona… a gente trabalha que nem um cão, pra vir um vagabundo desses e tirar a vida de dois meninos trabalhadores como seus filhos!” – alguém tentava consolar Noêmia que, em choque, sequer chorava. Ana gritava pelos corredores do hospital. Ruth abraçava sua sogra e perguntava insistentemente o porquê Deus faria aquilo com elas… de novo!

Três meses depois, Noêmia continuava sem rumo. A depressão voltara com toda força. Sem dinheiro, sem vontade de viver e brigada com Deus, decidiu voltar pra Sergipe. “Vem pra cá, mulher, esse ano tá bom aqui, choveu que só!” – insistia uma prima otimista. Assim, pegou suas noras e embarcou naquele leito. E foi quase um dia e meio de absoluto silêncio entre aquelas três mulheres enlutadas.

Elas estavam ainda na rodoviária quando Noêmia pediu para se sentar. Uma mesa de cimento serviu de púlpito para o sermão daquela mulher amargurada: “Meninas, Deus me amaldiçoou…” – falava Noêmia com convicção quando Ruth tentou interrompê-la, mas sua sogra continuou: “…e vocês não merecem sofrer por minha causa! Quero que cada uma volte pra sua família!”

Ana se levantou revoltada: “A senhora podia ter dito que nos abandonaria ainda lá em São Paulo, né? Pra que nos trazer até aqui e…” – Ana se perdeu nas palavras e começou a chorar. Abraçou sua sogra, deu-lhe um beijo e sumiu por entre a multidão.

Enquanto Ruth observava Dona Nô absorta fazendo tiras num copo de plástico como quem descasca uma fruta, juntou as mãos de sua sogra e lhe disse com ternura: “Dona Nô, Deus deu, Deus tirou, bendito seja o Senhor!”. Enquanto Noêmia tentava segurar o choro, Ruth prosseguiu: “A senhora tem sido uma mãe pra mim, eu nunca vou lhe deixar!”

Dias depois, Noêmia pediu ajuda a Carlos, um parente distante que tinha se dado bem no ramo imobiliário. Carlos sabia da situação e perguntou como podia ajudar. Sem hesitar, Noêmia pediu um emprego para Ruth e, assim, pouco tempo depois, Ruth estava servindo café naquele luxuoso escritório.

Entre uma reunião e outra, era inevitável o comentário sobre a bonitona de São Paulo: “Ela nem sotaque tem, visse?”. E dentre os pretendentes, apenas um interessava à menina viúva – Carlos! Carlos era divorciado, bem resolvido e também já tinha trocado olhares com Ruth, mas sequer cogitava a possibilidade: “Ela tem metade da minha idade, Júlio!” – desabafava com um amigo que tentava convencer Carlos de que isso era coisa do passado.

Passados 2 anos, Ruth finalmente confessou para sua sogra a tal da paixão proibida. Dona Nô empurrou Ruth para o chuveiro e já começou o sermão: “Tu tá é doida, é!? Tanta desgraça que já me aconteceu nessa vida e tu quer perder uma oportunidade dessa? Você vai pôr aquele vestido novo, ficar cheirosíssima e voltar agora pr’aquele escritório! Só me volte aqui comprometida!”

E foi assim que Ruth e Carlos se casaram e tiveram o pequeno Davi, que restaurou a alegria de Noêmia e reinou absoluto até a chegada dos gêmeos.




Leve

Nós estávamos naquela correria, produzindo a Escola de Adoração, um congresso anual de 2 meses que liderei por quase 10 anos. Meu amigo Joey estava vindo ao Brasil falar na Escola e, embora nosso voluntariado já fosse bem estruturado, muita coisa dependia de mim, por isso, minha cabeça estava a mil. E foi nesse contexto que recebi um convite inusitado: “Olá, você ministraria para um pequeno grupo de jovens aqui na Austrália?”. E foi assim que, no outono de 2014, eu finalmente consegui desacelerar e me peguei hipnotizado por um coala mastigando uma folha de eucalipto no meio de um zoológico em Sydney.

A igreja em Sydney foi uma das mais amáveis em que já ministrei. As famílias “brigavam” com o pastor para que jantássemos com elas. Assim, se em uma noite eu estava ministrando no culto, na outra, estávamos comendo camarões do tamanho de um frango na casa de amigos muito queridos. Mas os irmãos foram além e nos deram ingressos para as principais atrações da cidade, como Madame Tussaud e passeios no Opera House. Ganhamos até um minicruzeiro!

Mas como bom brasileiro, pedi para irmos aos outlets! Acontece que a galera não se empolgou muito e logo entendi o porquê. Eles nos levaram a um lugar chamado Birkenhead Point, em Drummoyne, um outlet muito bacana e com uma vista maravilhosa da baía de Sydney. Foi lá que entendi o óbvio: as marcas famosas também são importadas por lá, logo, tão caras quanto aqui. Conformado, passei a usar o brasileiríssimo “tô só dando uma olhadinha”. Foi quando fiquei admirando uma calça na vitrine da Levi’s. Logo, uma simpática vendedora apareceu e tivemos o seguinte diálogo:

– Moça, quanto custa essa calça?
– Apenas 49 dólares, senhor!
– Puxa… tá fora do meu padrão.
– Olha, se você levar 2, eu faço por 99!
– Moça, se eu não tenho 49, por que eu teria 99? – brinquei.

A vendedora sorriu, levou a mão ao queixo como se refletisse sobre algo e disse: “Quer saber? Pode levar as duas de graça!”

Chamei meu amigo Saulo que estava fora da loja e pedi socorro: “Mano, meu inglês tá pior do que eu imaginava. A moça meteu um ‘for free’ ali no meio da frase e eu podia jurar que ela queria me dar as roupas de graça. Conversa com ela, por favor?”

Eu via o Saulo gesticulando, coçando a cabeça como quem não tá entendendo nada e, quando eu já estava pensando em voltar pras aulas de inglês, ele volta: “Roger, pelo que entendi, é isso mesmo que ela tá propondo”.

O inglês australiano é uma mistura de inglês britânico com sei-lá-o-quê, e eu estava traumatizado com um japonês doido, dono de um quiosque, que havia brigado comigo pouco antes porque eu pedi uma “uórer” e ele foi bruto: “‘Uatá’, no ‘uórerrr’”. Mesmo assim, confrontei a vendedora: “Moça, por que você tá fazendo isso? Isso é loucura!”. Ela franziu a testa e disse brava: “Você tá me ofendendo! Eu não sou louca!”

Pedi desculpas e expliquei: “Moça, é que no Brasil, ninguém faz isso, não!” – Saulo cochichou: “Aqui também não, Roger” (rs). Então, ela abriu o coração: “Olha, quando você entrou aqui, eu senti algo muito bom a seu respeito. Alguma coisa me dizia que você tem um coração de luz e eu entendi que eu devia fazer isso por você. Aliás… seu amigo também pode escolher! E aquela moça que estava com vocês? Pega pra ela também!”

Olhei pro Saulo… ele ergueu os ombros e virou a cabeça como quem diz: “É o jeito arriscar!”. Olhei pra vendedora e ainda me certifiquei: “Tem certeza disso, moça?”. Ela sorriu e me empurrou as roupas: “O provador é ali!”.

Já no caixa, enquanto ela bipava aquele monte de peça numa alegria contagiante, me esforcei para agradecer: “Olha, eu ainda não sei por que você está fazendo isso e nem sei como te agradecer. Tudo o que posso dizer é que Jesus te ama e hoje estarei falando sobre Ele lá em Kingsgrove. Se puder, aparece por lá!”. Quando estávamos na porta, cheio de sacolas, olhei pro Saulo e não escondi minha fé vacilante: “Meu, corre antes que essa moça recobre o juízo!” (rs).

Sabe, essa história me intrigou por dias, até que eu decidi orar e o Espírito Santo falou comigo: “Filho, onde quer que eu te leve, vou cuidar de você. Não se preocupe, simplesmente obedeça ao meu chamado e não duvide.” Assim, eu vi a provisão de Deus por um único motivo: “Não te mandei EU? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares.”

Acredite, quando Deus envia, Ele patrocina.




O presente da noiva

Era minha primeira viagem internacional e, acompanhado de uma amiga e do pai dela, eu iria ministrar em umas 3 ou 4 igrejas, na Flórida e em Connecticut. Era o auge do SOS da Vida que, dentre muitos artistas, trazia ao Brasil a Banda Bride – minha amiga era uma das intérpretes deles. Por isso, uma das paradas obrigatórias da viagem seria na casa do vocalista, Dale Thompson.

Inexperiente e eufórico, embarquei naquela viagem com o dinheiro contado. Acontece que, tal como aqueles filmes tipo “Férias Frustradas”, meu desespero começou logo no desembarque. O carro que alugamos não era exatamente como no anúncio. A gente alugou uma van, veio aquele carro do Mr. Bean – ou entrava a gente ou entravam as malas. Tive que arcar com o upgrade. Pronto, era hora de colocar a fé em ação. A esperança era que as igrejas fossem generosas na oferta. Bem, não foram, mas, hoje, sei que era plano de Deus.

Pra encurtar a história, depois de uma série de frustrações, me vi dirigindo no meio dos States com um carro que, literalmente, dançava na neve. Aquelas carretas gigantescas passavam por nós e buzinavam, não porque alguma criança fizesse o famoso sinal da cordinha, mas porque aquilo era loucura! Foi quando no meio do Kentucky, minha amiga me disse sem graça: “Perdi o endereço e telefone do Dale!”. Fui tomado de um desespero tão grande, que parei num centro comercial qualquer no meio de uma rodovia.

Dentre tantos restaurantes ali, entrei no primeiro que vi e comecei a chorar! Eu estava num nível de stress altíssimo! A atendente veio ver se eu estava bem, quando chegou minha amiga e tentou me acalmar. Liguei pra minha mãe: “Mãe, tô voltando! Tô sem dinheiro pra hotel, pra gasolina e tô no meio do nada aqui”. Sentei novamente, respirei fundo e orei: “Senhor, se foi Você mesmo que me trouxe a esse lugar, eu preciso agora de um milagre!”.

Bom, você vai precisar de muita fé pra acreditar no que eu vou te dizer agora. Quando eu disse “Amém!”, o irmão do Dale, o Troy, simplesmente entrou nesse restaurante. Comprou alguma coisa e, quando estava saindo, viu minha amiga: “Ei, é você!? O que você tá fazendo aqui?” – eu só tenho uma palavra pra descrever o que aconteceu naquele dia: surreal!

Depois de algum tempo em que estávamos ali, ainda tentando entender como, “do nada”, o Troy nos encontrou naquele restaurante, minha amiga explicou que queria entregar um presente ao irmão dele. Ele nem hesitou: “Ok, isso a gente resolve depois, mas vocês não podem seguir viagem, tá nevando demais! Nem sei como vocês chegaram aqui. Vamos pra minha casa e amanhã resolvemos o lance do presente”.

Era finalzinho de tarde quando fomos para a casa do Troy. Logo que saímos da rodovia, pegamos uma longa estrada de chão batido, com árvores gigantescas que faziam um lindo corredor por uma floresta cinematográfica. Ao chegar, entramos pela garagem, que ficava no andar de baixo da casa. Após uma escada caracol, saímos num quarto totalmente rodeado de guitarras na parede. Chegando à sala, um lindo piano de cauda parecia pequeno e solitário diante do tamanho daquela casa. No alto da sala, uma criança nos espiava pelas frestas de um corredor suspenso que ligava os quartos. O Troy me colocou em um deles. Exausto como estava, me joguei no que me pareceu um sofá e apaguei!

No dia seguinte, tive uma experiência inesquecível: fui acordado pelos raios de sol, que cortavam montanhas ainda recobertas de neve. Caminhei descalço por aquele tapete felpudo em direção àquela janela gigante que emoldurava essa cena de paz. Enquanto refletia no cuidado de Deus para comigo, me perdi no cheiro de ovos e bacon que invadiu aquele lugar.

Naquele dia, o Troy nos levou à casa do Dale e finalmente minha amiga entregou o presente. Depois de uma conversa agradável, ele nos convidou para ouvi-lo pregar em sua igreja. Bem diferente dos shows da Bride, assisti a pregação não do rockstar, mas do Pastor Dale Thompson, de gravata, numa pequena capela e que ficava no alto de uma montanha.

Seguimos viagem, ministrei em Connecticut e depois em Tampa Bay na Flórida, e foi em Tampa que o Senhor me abençoou. O pastor gostou tanto de mim, que me deu uma oferta generosa, o que cobriu as despesas extras do cartão e ainda deu pra dar uma passadinha nos outlets de Orlando.

E esse foi o dia em que levamos o presente à Bride (“noiva” em português) e o Senhor me mostrou que, quando Ele envia, Ele se responsabiliza.




Abba

De todas as experiências incríveis com minha bebê, preciso eleger 3. Não que elas sejam as melhores, porque todas são incríveis, mas certamente foram as mais marcantes, afinal minha falha memória só guarda aquilo que me marca, o que pode me trazer esperança ou angústia.

Como esquecer a primeira cólica? Jamais vou esquecer o nosso desespero como pais de primeira viagem ao ouvi-la gritando de dor. Na falta da experiência, sobrou amor. Abracei-a com todo o carinho e me deitei com ela sobre o peito. Aquele choro tão espremido foi se tornando em doces e espaçados soluços, até que ela dormiu. A médica falou algo sobre o calor relaxar músculos, mas preferi minha versão de pai com superpoderes.

Meu segundo momento preferido vem em pequenas doses diárias de amor. Fazendo o almoço ou passando roupa, do nada, o silêncio da casa é quebrado com o mais doce e verdadeiro: “Papai, eu te amo!”, seguido de um longo e apertado abraço. Graças a Deus, eu não consigo descrever essa sensação – eu seria o melhor escritor do mundo e vocês não iam aguentar meu deboche! Mas é como se toda falta de autoestima fosse regada por gotas de afeto até virar sequoia.

Mas nenhum momento supera o chegar em casa e ser recebido com aqueles bracinhos abertos pedindo colo. “Bia, o papai chegou!” era a senha pra iniciar todo o reset da alma. Parecia que o mundo desconexo se encaixava, era o outro lado do tapete, aquele em que as linhas formam um lindo desenho.

Durante séculos, nós reduzimos a fé a um conjuntinho de regras que, se bem obedecidas, nos colocam num cercadinho lindo, cheio de outras ovelhinhas iguais, que têm o mesmo balido e a mesma lã branquinha. Acontece que o obedecer nunca foi passaporte, mas destino. Aliás, a alguém que nunca teve seu visto aprovado, Ele disse: “Hoje mesmo você vai me encontrar no paraíso”.

Ei, até quando você vai resumir sua jornada a chorar e pedir colo apenas quando chega a dor? O Pai sente falta dos seus “eu te amo” aleatórios! Daquela ansiedade ao final do dia para estar com Ele.

Não se trata de “eu não tô fazendo nada de errado”, mas de parar de anestesiar a consciência como a mentira do “Ele me entende”.

Então, volta pra casa, o Abba tá com saudade de você.




Feixe de luz

Não tem outro jeito de dizer isso: eu era apaixonado pela minha professora de português. Daquelas paixões adolescentes impossíveis em que a gente se derrete por qualquer coisa que a pessoa diz: “Parabéns, sua redação ficou perfeita!” – quase pude ouvir o Greg dizendo: “Cara, ela tá tão na sua…” (rs).

E como era de se esperar, fruto dessa paixão, nasceu o amor pela leitura. Amor esse que tantas vezes me acolheu e me deu alívio aos dilemas da vida. E foi em um desses dilemas que descobri Philip Yancey, o cara que teve a coragem de escancarar um título como “Decepcionado com Deus”. E foi justamente nesse livro que fui apresentado à teoria da transposição, de C. S. Lewis.

Lewis sugere uma analogia: a de um feixe de luz entrando num depósito escuro. Logo que se entra no depósito, você vê apenas partículas de poeira flutuando pelo feixe de luz. Mas, quando você se aproxima e olha através dele, para fora, tem outra perspectiva. Você vai ver folhas verdes nos galhos de uma árvore, o sol… ou seja, “olhar para o feixe de luz e olhar ao longo do feixe de luz são coisas bem diferentes.”

Quando a gente olha para o feixe de luz que corta o quarto escuro da nossa alma, a gente pode enxergá-lo de duas perspectivas: pode ser a fala da mãe que fez sentido, pode ser a explicação da terapeuta que te deu um norte, pode até ser a “coincidência” daquela amiga que te chamou pra um café bem naquele momento crucial da sua fé vacilante ou pode ser Deus. Aliás, sabe o que traz alívio pra alma? Saber que pode ser até mesmo os dois – não são coisas excludentes!

Hoje, eu queria te fazer um convite: dê mais alguns passos. São poucos. Olhe para o lado, para a fresta que foi feita na sua alma – esse pequeno corte por onde está entrando esse lindo feixe de luz. Aproxime-se. Um pouco mais. Agora veja pela fresta essa linda paisagem, cheia de paz, esperança e cor.

Talvez, e só talvez, crer no impossível não seja uma questão de fé, mas uma maneira de olhar. Por exemplo, você pode olhar para esse texto simplesmente como algo bonito ou pode olhá-lo como a resposta de Deus pra você.

Não importa como você vai ver, de um jeito ou de outro, Deus está falando com você: “Descanse, a Luz chegou!”




A tristeza de Deus

É impossível você ter passado por 2022 e não ter ouvido ou até usado a expressão “É sobre isso e tá tudo bem!”. Há quem diga que ela nasceu no BBB22, mas estudiosos da língua garantem que ela é mero anglicismo, numa tradução literal do “it’s [not] about”. Mas além daquilo que pra muitos é considerado “positividade tóxica”, o hype do bordão me acertou em cheio hoje. Acredite ou não, como há muito não acontecia, eu quase pude ouvir o Espírito Santo dizendo: “Escreva sobre isso!”

Palavras têm peso gigantesco pra mim, e isso tem sido motivo de alegria e angústia. Palavras são tão poderosas, que o Eterno poderia ter escolhido qualquer outro meio para comunicar o seu querer. Poderia ter mandado anjo, visão ou sonho, mas preferiu talhá-las na pedra, e foi a partir de lá que elas chegaram até nós, trazendo vida e redenção.

Mas qual o problema do tal bordão? Respondo: ele se tornou válvula de escape na guerra entre a carne e o espírito. Explico e tentarei ser o mais explícito com você, não se assuste!

Vivemos um tempo de esgotamento emocional que tem sido usado como uma justificativa para o distanciamento da fé, ou seja, eu fico mal, numa angústia sem explicação, e ao invés de ter um olhar holístico, que enxerga a situação de forma global, eu me concentro exclusivamente no emocional e simplesmente reduzo a “participação” de Deus na minha história com um reles: “Deus não me responde mais!”

Assim, eu recorro a todo tipo de ajuda, da terapia aos remédios, da caminhada ao crossfit, do happy hour à balada, e de tudo aquilo que existe de bom, mas que eu transformo num anestésico secular que sutilmente me afasta dAquele que me criou.

Acredite, eu tenho inúmeras dúvidas e dilemas na minha caminhada, mas se tem uma coisa que sou convicto é do meu chamado, e é com essa convicção que eu digo a você: essa tristeza que você sente quando a noite cai vem de Deus!

A Bíblia diz que a tristeza segundo Deus produz arrependimento! Você está acumulando pequenos deslizes, e estão te dizendo que você deve parar de se culpar – não! Não ouça essas pessoas! Deus está te chamando ao arrependimento hoje e é isso que te trará a cura completa. Simples assim.

É sobre isso, mas não tá tudo bem!




O código zero

Cresci numa igreja histórica, daquelas em que os “chamados” vão sendo passados de pai pra filho. Aliás, meu pai foi o guitarrista da única banda da igreja e minha mãe, professora de EBD. Como era de se esperar num contexto assim, herdei os dois cargos.

Além de músico, meu pai era secretário da igreja. Lembro-me que, quando criança, ajudava-o a separar as fichas cadastrais dos membros. Nelas, além dos dados pessoais, havia um campo de observação com a “ficha corrida” da pessoa e alguns códigos. Cada código, sem qualquer discrição, denunciava o pecado cometido e o motivo pelo qual a pessoa estava suspensa da comunhão.

Curiosamente, embora a lista com os tais códigos fosse imensa (de roubo a homicídio), aparentemente, apenas dois eram usados: fornicação e adultério. Eu não sabia exatamente o que eram esses “delitos”, mas cresci com a ideia de que, se a pessoa não aparecia na ceia, ou era o código 1 ou era o 2 daquela lista.

É curioso perceber que essa herança histórica nos levou a elencar os pecados de tal forma que a fofoca, a malandragem e a agressão contra mulheres, física ou emocional, continuam “descodificadas”. O agradar a Deus e estar em comunhão foi malandramente resumido a não transar antes do casamento e a não pegar a mulher do próximo. Mas… haveria algo mais grave do que isto?

Certo dia, fui convidado a um culto doméstico onde absolutamente ninguém me conhecia. Nesse dia, o Senhor usou uma senhora que me disse assim: “Eis que te fiz professor, apascenta aqueles que eu te der”. Essa frase não apenas fez sentido pra mim, como teve um peso imenso de responsabilidade.

Sim, há algo mais grave do que qualquer deslize na sua jornada moral: dizer não ao chamado de Deus!

Quando Jonas foge do Eterno, Deus movimenta céus e mar (literalmente) para que o profeta cumpra seu chamado. Ainda assim, Jonas se frustra quando Deus dá uma segunda chance àquele povo.

Talvez, e só talvez, uma vida moralmente impecável não tenha muito valor se ela está toda enrolada com algas de afazeres e responsabilidades, navegando sem destino dentro de uma baleia enjoada e fingindo que esse texto não é com ela.

Que o Eterno lhe dê hoje uma segunda chance de obedecer ao seu chamado.




O último poço

Quando a fome bateu à porta daquele homem, sua única opção era fugir. Diante do desespero, voltar para um lugar que lhe trazia lembranças tão ruins já não lhe parecia tanta loucura assim. Mas ao tomar coragem para uma decisão tão arriscada e que podia ser sinônimo de escravidão, ele ouviu uma voz: “Fica! Vai dar tudo certo aqui mesmo!”.

Mas como ficar num lugar onde você não é bem-vindo? Ser forasteiro onde todos te invejam e querem o seu mal não faz sentido. E mais, eles haviam entulhado todas as fontes de sustento que o homem herdara! Mais uma vez, ele se encheu de coragem pra fugir. Mas nem sempre a coragem nos leva pro caminho certo. Às vezes, ela nos leva pro fundo do poço e nos deixa lá, sozinhos.

E agora? Ficar, mesmo sendo indesejado e ter que lutar pelo que se acredita, engolir o orgulho e dar ouvidos à uma voz? E se for mera intuição? Os amigos lhe diziam que não valia a pena, que ele deveria esquecer tudo, ali não ia dar em nada – profetizavam.

O homem reuniu seu restinho de força e decidiu acreditar. Entendeu que aquele sentimento de fuga não podia lhe definir. Assim, decidiu tentar mais uma vez e cavou um poço. Sim, a sua sobrevivência dependia de água. Tão simples, tão abundante em outros momentos, mas escassa agora. Como era de se esperar, seus inimigos entulharam seu poço, por isso, ele chamou o poço entulhado de Contenda.

Ele não desistiu. Cavou mais um. A cena se repetiu e, ao segundo poço entulhado, ele deu o nome de Inimizade. Certo de que Contenda e Inimizade não podiam deter-lhe, cavou mais um e, finalmente, eles desistiram. Por isso, ele batizou aquele de Lugar Amplo.

Um dia, do nada, aqueles homens maus bateram à porta do homem resiliente: “Você venceu! Nós vamos te deixar em paz!”. Num “plot twist” digno de série de streaming, o homem lhes ofereceu um banquete e, curiosamente, naquele mesmo dia, ele cavou seu último poço e encontrou água abundante, me ensinando que melhor do que fugir é enfrentar os meus medos, que a coragem não me serve de nada se ela me leva pro caminho mau e que eu não devo deixar de acreditar só porque fracassei algumas vezes.

Talvez, e só talvez, eu precise apenas insistir um pouco mais.

Obrigado, Isaque!




Theophaneia

Dificilmente se acha um meme gospel mais aleatório e absurdo que o da Pastora Nadir. A cada visita ao inferno, além de ver Michael Jackson correndo e algumas moças fazendo chapinha, a tal senhora coleciona absurdos. Contudo, dentre esses tantos, acredite, há um que é recorrente entre as pessoas que buscam o sagrado: excluir a experiência humana da revelação divina.

Os que são do Caminho sabem que não há nada que desperte mais a atenção dos crentes do que as revelações. Nossa curiosidade sempre é aguçada por um “Eis que te digo” ou “Eu sonhei que…” – exceto quando se deve na Praça da Fé, porque, neste caso, a irmã do coque é sempre nossa algoz.

Mas, estando em dia com o Carnê da Santidade, somos atraídos por qualquer fagulha que nos traga um pouquinho de luz do que acontece do outro lado. Sejam ovelhas andando em círculos ou um chip sob a pele, hoje, tudo é motivo de arrepio.

Curiosamente, Deus fez o caminho inverso. Enquanto o humano sobe seus degraus de Babel, o Eterno desce pelo outro lado ao nosso encontro. Num doce contraste absurdo, não busca o místico ou a entrada triunfal, mas encarna na figura de um bebê, tão poderoso, que mal consegue segurar o cocô e o xixi. Sim, o Criador se submete aos cuidados de uma mãe para começar sua jornada aqui.

Por isso, não é o místico que nos salvará de nossas crises, mas a pequenina citação de Hebreus, ao dizer que Ele foi “alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação”. Sim, a maior revelação não está no sonho, mas no experienciar. Por isso, falhamos quando vivenciamos o agir do Eterno e nos calamos: “Ain, mas ninguém me dá oportunidade pra testemunhar”. Oi!?

Há 7 anos eu travo uma batalha com a solidão. Não, isso não é lamento de rede social, sou bem acolhido por amigos bem presentes! Esse é o testemunhar de alguém mundano que experimenta o cuidado de Deus na Terra. Dias bons, dias não tão bons, noites ruins… mas em todo o tempo, Ele está. E cada vez que dobro os joelhos, o Céu desce. Não vejo luzes nem ouço vozes, mas a divina paz invade meu coração e venço mais um dia.

Esse é o meu testemunho, qual é o seu? Não deixe de falar, porque talvez, e só talvez, seja assim que o Reino venha até nós.




Cici

Eu já estava praticamente dormindo quando ouvi o pedido de socorro da minha pequena: “Papai, cici!”. Corri pro quarto dela e fiz o ritual do papai exausto – abraçado a ela no troninho, esperei o tal do cici, que não veio. Alarme falso! Levei pro quarto, dei um beijo e boa noite. Menos de 5 minutos, outro pedido de socorro. A cena se repete, alarme falso! Na terceira vez, percebendo que não se tratava de nenhum desconforto, decidi perguntar: “Meu amor, você está chamando o papai toda hora porque está com medo de dormir sozinha?”. Um pequeno feixe de luz iluminava a boquinha dela, que lentamente foi fazendo aquele beiço de choro. Não contive a lágrima. Abracei-a com todo carinho e, revigorado por tanta fofura, esperei até que ela dormisse.

A gente vive numa sociedade que exaustivamente valoriza as pessoas que se posicionam como fortes e resilientes – o que não deixa de ser algo nobre. Acontece que, injustamente, o vulnerável é tachado como frágil, fraco e problemático. Esses dois extremos, inseridos numa geração refém da perfeição de seus filtros, tornam socialmente inaceitáveis aqueles que se mostram reais como deveriam ser. Mas talvez, aquele que tem a coragem de expor sua vulnerabilidade seja, de todos, o mais corajoso.

O curioso é que a sociedade que convencionou que “homem não chora” é a mesma que sufoca mulheres quando elas alcançam cargos de liderança e têm uma postura mais firme. Assim, se o homem vacila, é frouxo, e se a mulher não se impõe, é vista como fraca para o cargo e que, ali, “deveria ser um homem”.

Bem, não dá pra mudar a cabeça de uma sociedade da noite pro dia, mas enquanto isso não acontece, podemos fazer uma boa limonada pra não azedar de vez. Como? Valorize a exposição emocional! Se alguém, diante de um cenário de tantos estereótipos e julgamentos, se abre pra você e lhe confessa toda sua vulnerabilidade, saiba que ele está depositando em você a mais alta confiança. Essa pode ser a maior declaração de amor desse tempo.

Talvez, e só talvez, o verdadeiro amor seja admirar alguém não apenas por sua força e resiliência, mas também pela coragem de ser quem se é, e não o que os outros querem que se seja. É preciso coragem para ser imperfeito.